Crônica de Luísa Marinho: as 1001 maneiras de pedir um café
   26 de abril de 2022   │     17:25  │  0

Curto ou comprido, em chávena escaldada ou fria, com ou sem pingo de leite, duplo ou carioca, o café é algo tão pessoal que deve ser tratado com muito o respeito.

De calças de ganga, casaco roçado e gorro preto, um ar invernal como o tempo lá fora, apesar de já se estar nos primeiros dias de Primavera, o cliente dirige-se descontraído ao balcão no pequeno café familiar: “Boa tarde”, “boa tarde”. Com a prontidão de quem recebe um cliente habitual, pergunta, quase em jeito de afirmação, o dono do café: “Um café comprido”? “Sim, sim”, repondeu o cliente. Mas seguiu-se uma pequena hesitação, que deu ao momento um certo dramatismo em que por momentos todo o café, quase vazio, ficou em suspenso. “Sim sim!…. mas não muito… compridito mas sem exageros”, esclarece o cliente habitual.

Passados não mais do que um minuto lá chegou ao balcão o expresso bem tirado, exatamente como pedido, pelo menos é o que deixa adivinhar a ausência de um qualquer tipo de protesto. A arte de tirar um café expresso – ou espresso – é mais complexa do que parece à primeira vista. Porque há gostos, sensibilidades, humores para tudo.

Há quem goste dele curto, muito curtinho, talvez pelo sabor mais forte, talvez por acreditar no mito de que curtinho tem mais cafeína. Pode ser cheio ou comprido, a 2 ou 3 quartos, duplo em chávena grande ou pequena. Há quem queira em chávena fria, em chávena escaldada; ou um café pingado, que não é o mesmo que um pingo, que, por sua vez, é a mesma coisa que um garoto, no sul. No sul também é bica, no norte, cimbalino – este, dito à moda do Porto, com o “a” muito aberto, já quase não existe.

Lembro-me das minhas primeiras deambulações pelos cafés da cidade, nos anos 1990, quando aprendi que se pode ser muito picuinhas quando se pede um café. Já a minha mãe, quando íamos lanchar ao Ceuta, não falhava: era sempre uma meia de leite em chávena fria. Mas quando chegava à mesa, momento de tensão, era com frequência mandado para trás, com o pedido: “passe para uma chávena fria, por favor”. E como eu a percebo: nada pior que deixar as torradas arrefecerem, afundarem-se na manteiga derretida enquanto se espera que o café atinja uma temperatura que não queime os lábios.

Hoje, o mundo do café mudou com a propagação dos cafés de especialidade. Com estes surgiram outras picuinhices. Como pedir um single origin colombiano ou um blend das Honduras, de torra clara ou torra média, mas 100 por cento arábica, sempre. As meias de leite foram substituídas por cappuccinos, os cafés curtos por ristretos, e o café americano substitui o mal-amado abatanado.

Haja cafés diversos, para todos os gostos. Haja sempre quem atrás do balcão conheça as manias dos seus clientes e sirva eficazmente o que lhe foi pedido. Porque é uma questão de prazer escolher livremente como tomar a nossa dose diária de cafeína.

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